A maior associação de música e artes do brasil
Por Sérgio Martins, jornalista e crítico musical
Em 1985, o cantor e compositor Luiz Caldas caiu no gosto do Brasil com “Fricote”. Canção de letra debochada – hoje contestada porque supostamente faz uso de termos racistas e machistas –, ela era acompanhada de uma dança exótica, na qual os foliões iam rebolando até o chão. “Fricote” fazia parte de “Magia”, disco de estreia de Caldas e banda, a Acordes Verdes (que tinha em sua formação o percussionista Carlinhos Brown, o tecladista Alfredo Moura e o baterista Cesinha, entre outros).
Hagamenon Brito, crítico de música do jornal A Tarde, de Salvador (e roqueiro, como diria o Analista de Bagé, “mais ortodoxo de receita de Biotônico Fontoura”), não viu com bons olhos e ouvidos o ebó musical de Luiz Caldas. Escreveu que o cantor de “Fricote” era uma espécie de Michael Jackson tupiniquim e decretou que Caldas fazia uma espécie de “Axé Music”. E “axé” passou a classificar todo o pop local, que tinha intenções de vencer no mercado.
Hagamenon, no entanto, não contava que a maneira jocosa com a qual se referiu aos novos astros baianos seria assimilada por essa turma e se tornaria um dos gêneros mais populares do país. Para se ter uma ideia, dos vinte discos mais vendidos no Brasil em todos os tempos, nada menos do que seis são de artistas da Axé Music. E sua estratégia de assimilação de outros estilos musicais – até sertanejo virou axé – e a exportação do know-how de festas populares virou referência para outros mercados.
O ano de 2025 marca as quatro décadas do surgimento da Axé Music. O ponto de partida é justamente “Fricote”, single de Luiz Caldas, que chegou ao mundo no dia 17 de fevereiro. A deputada Lídice da Mata, do PSB, inclusive apresentou um projeto de lei que institui essa data como Dia do Axé. A celebração inclui também uma exposição na Caixa Cultural de Salvador, que traz uma memorabília porreta do mundo do axé. Batizada como “Axé: A Força Sonora e Visual de um Movimento”, ela tem curadoria de Jonga Cunha e traz peças históricas e propõe experiências interativas. Fica em cartaz até 16 de março em Salvador e provavelmente parte para outras capitais do país.
Mas, afinal, o que é axé? Para início de conversa, ele não é um gênero, mas sim um movimento que engloba diferentes tradições musicais da música afro-baiana. A sua ascensão se deve à criação, nos anos 1980, do estúdio WR. Urdido pelo produtor Wesley Rangel (1950-2016), o WR surgiu com a ideia de impulsionar a produção local, que tinha de esperar vagas nos estúdios de São Paulo e do Rio para lançar os seus produtos. O estúdio não só ajudou a escoar essa demanda para outros estados como também se tornou celeiro de talentos que iriam comandar o mundo do axé nos anos seguintes. Graças à ideia de Rangel, o estado da Bahia criou um mercado próprio e autossuficiente, onde estrelas lançavam os seus trabalhos para consumo interno – que mudou depois do estouro do axé.
Ainda estamos em dúvida sobre o que seria axé? Pois ele é tudo: axé é o samba-reggae do Olodum e o samba duro do Ilê-Ayê; axé são os merengues e as salsas de Gerônimo e o galope aceleradíssimo do Chiclete com Banana; axé são as lambadas e os flertes de bandas como Cheiro de Amor, Beijo e Banda Mel e o rock que saía da guitarra de Durval Lelys, do Asa de Águia. O mais importante é que o movimento segurou as pontas quando um ou outro gênero deu sinais de cansaço. “Os blocos afro se fizeram presentes quando o fricote e a lambada perderam a força”, me disse certa vez Daniela Mercury na ocasião do aniversário de quatro décadas do axé.
Em 1992, o artista plástico Pedrinho da Rocha teve então a ideia de assimilar o termo que até então era considerado pejorativo. O disco da Banda Beijo daquele ano foi batizado de “Axé Music”. E, nas entrevistas que os integrantes do conjunto deram para a imprensa do Sul do país, eles falaram de uma maravilha chamada “Carnaval de Salvador”. Pronto, o “estrago” estava feito. E, com ele, a propagação do movimento como uma música alegre e vibrante, que era a trilha sonora do desfile de trios e da alegria irrestrita.
Pouco antes da estratégia da Banda Beijo, um outro talento se fez presente no Sul. Daniela Mercury integrou o Bloco Eva e foi vocalista da Companhia Clic antes de se lançar em carreira solo. E que carreira: “O Canto da Cidade”, de 1992, está entre os discos mais vendidos no país em todos os tempos. Daniela ainda definiu o arquétipo das cantoras de trio e do pop que viria a seguir: uma superstar boa de dança, de canto e com um repertório eclético. Que faz bem até hoje.
Filosoficamente, a Axé Music representou um novo país. O sertanejo, que até então era visto como “trilha sonora do governo Collor” (referindo-se ao então presidente, que renunciou em 1992), deu lugar a uma canção vibrante, que seria usada como música de novos tempos. Pelo menos foi assim que Nelson Motta saudou a chegada da Axé Music em sua coluna no jornal O Globo. Passadas quatro décadas, ela não dá mostras de falta de fôlego. O gênero quarentão tem ainda novos rumos, singles e homenagens. Afinal, como diz Jonga Cunha, uma das fontes desta reportagem, “seja em qual festa for, ela sempre acaba com música baiana.”