A maior associação de música e artes do brasil
Em Artigo de Opinião para Billboard Brasil, Gustavo Gonzalez fala sobre o dinheiro arrecadado pelos compositores no streaming.
Faz mais de uma década que a música já toca no ambiente digital aqui no Brasil. No exterior, esse fenômeno começou alguns anos antes, mas aqui a pedra inicial desse mercado foi a abertura do ITunes, loja de música virtual da Apple no Brasil, em 2011.
A tecnologia, o consumo e a infraestrutura no Brasil mudaram radicalmente em poucos anos na última década. Foi apenas em 2017/18 que esse mercado realmente começou a ganhar volume e a se tornar mais relevante.
Mesmo já tendo alguma história na bagagem e com conceitos que parecem simples, o negócio da música no ambiente digital ainda não é entendido por várias pessoas do mercado do showbizz, o que costuma gerar críticas (algumas delas muito pertinentes) e dúvidas.
Para começar a desmistificar o business da música no ambiente digital, é necessário que se desfaça a analogia criada –e ainda muito utilizada– com o antigo mercado da música que tinha como pilar principal a venda dos CDs. O mercado da venda de produtos físicos era um mundo. A música no ambiente digital é outro ecossistema, independente e diferente. As regras de um mercado não se aplicam ao outro e criar uma expectativa pelo que houve no passado ou pelo sucesso que a música teve é sem dúvida uma armadilha que precisa ser evitada.
O mercado dos CDs era um mercado baseado na aquisição e propriedade do produto. Hoje o mercado digital é um mercado de consumo, num modelo de assinatura, no qual o usuário consome a música enquanto paga por um serviço. Ele não é dono do conteúdo: tem uma licença de uso enquanto paga pela assinatura. Parou de pagar, perde a licença e o acesso ao conteúdo.
No mercado do produto físico, a retribuição aos compositores e artistas é um percentual sobre o valor da venda do produto. A cadeia produtiva faturava de acordo com a venda do produto. No mercado digital, o pagamento é um percentual numa conta complexa: o resultado é o cálculo do valor arrecadado pelo total de vezes que o fonograma foi consumido dentro de uma plataforma.
Além desses dois pontos, existem muitos outros que diferenciam os mercados e isso seria assunto para uma longa discussão, mas com apenas dois argumentos já é possível perceber que se trata de operações distintas e mercados diferentes.
O mercado digital entrou para preencher uma lacuna criada pela evolução tecnológica, que vem se aperfeiçoando e se moldando às necessidades do mercado nos últimos anos. A portabilidade da música já existia na época do walkman, mas ganhou uma escala inimaginável com o avanço da tecnologia recente. Alguns celulares mais modernos têm mais capacidade de processamento que o computador que foi responsável pela primeira missão do homem à lua e o que vem no futuro é assustador.
Voltando ao início do texto, onde a reflexão é sobre a existência do mercado da música no ambiente digital há mais de uma década só no Brasil, esse mercado ainda gera questionamentos. Precisamos entender o modelo de negócio e tentar melhorá-lo antes de criticá-lo. Porque é um caminho sem volta e com grandes expectativas de aumento de receita.
A maioria das críticas hoje ao modelo digital versam sobre os baixos valores que são distribuídos pelas plataformas. Aqui, é preciso entender o conceito. Mas a crítica é justa e tem uma justificativa para contrapô-la.
Num país com problemas econômicos monumentais como o Brasil, muitas vezes o pagamento de um serviço de streaming de música não é a prioridade numa família. Os valores, talvez acessíveis para boa parte da classe média, não refletem a realidade da grande maioria da população brasileira. Traduzindo, é um luxo que nem todos podem pagar. Por essa razão, a grande maioria dos usuários consome o conteúdo musical de forma gratuita, o que por sua vez gera um valor muito baixo para ser distribuído a título de direitos autorais.
Em países desenvolvidos, diferente da experiência que temos no Brasil, serviços de streaming por assinatura já são uma realidade para a maioria da população e isso ajuda com que os valores envolvidos em toda a cadeia sejam muito mais robustos. Consequentemente, eles acarretam valores mais expressivos para a distribuição dos direitos.
Dessa forma, a maior crítica hoje no mercado é com relação ao valor baixo distribuído aos artistas. Mas isso vem da quantia gerada pelo consumo de música no ambiente digital. Que, apesar de estar numa crescente, ainda é baixo no Brasil se considerado a países mais desenvolvidos. Isso acarreta menores valores para distribuição e consequentemente todos os envolvidos recebem menos.
Outro ponto que precisa ser combinado com a questão dos valores para o entendimento do modelo de negócio é a quantidade de conteúdo disponibilizado nessas plataformas de música. São milhões e milhões de fonogramas à disposição do usuário e milhares de novas faixas sendo distribuídas para as plataformas todos os dias. Esse volume faz com o consumo fuja do conceito linear tradicional do mercado físico, onde o consumo era baseado em três pilares: rádio, TV e show. O digital permite ao usuário consumir todo tipo de música que está a disposição na plataforma, sem obedecer a um intervalo de tempo ou horário, pulverizando o consumo entre milhões de músicas e consequentemente os valores que são distribuídos.
E o que isso significa na prática? Que os valores distribuídos de uma maneira geral poderiam ser melhores, mas que ainda assim, a quantidade de titulares que recebe é muito maior. Recebem valores menores, é verdade, mas é um mercado mais democrático em termos de consumo, já que permite a distribuição a gêneros musicais que não frequentavam as vitrines das lojas ou o horário nobre nos programas de TV na época dos produtos físicos. O mercado digital nesse sentido deu oportunidade a músicas antes segregadas e destruiu muitas barreiras no mercado musical.
Portanto, é correto quando um compositor diz que deveria ganhar mais de 0,0001 por um play. No entanto, é acertado afirmar também que hoje tem compositores que nunca teriam a oportunidade de ganhar e estão ganhando com o mercado digital.
Esse é um mercado em evolução e os números têm melhorado ano a ano. Mas, logicamente, ainda estão longe de gerar uma receita significativa na cauda longa da distribuição de direitos autorais.
As receitas geradas pelo mercado no ambiente digital são hoje uma realidade e esse fenômeno é global. Esse mercado vem crescendo de forma exponencial nos últimos anos e as perspectivas são otimistas com relação aos próximos anos. Com base em alguns dados do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais), hoje a receita de arrecadação dos serviços digitais já representa 25% do total que a entidade arrecada por ano, considerando o ano de 2023. É superior a fontes de arrecadação extremamente importantes e tradicionais, como TV aberta com 15.6% e TV por assinatura com 11.5%.
Esses números, quando combinados com o crescimento anual do ECAD nesse segmento, mostram um potencial futuro enorme e uma capacidade de crescimento ainda em evolução. Em receita arrecadada no segmento de serviços digitais do ECAD, em 2020 eles cresceram 41%, 37% em 2021, 26% em 2022 e 28% em 2023, passando de uma participação de 11,66% do total arrecadado pelo ECAD em 2019 para 25% em 2023.
Diferente de outros países onde o mercado digital já atingiu uma razoável estabilidade, no Brasil seguimos crescendo, seja na parte de execução pública ou na parte dos direitos de reprodução. O panorama é bem promissor e com um aumento na base de usuários, o valor envolvido na operação vai crescer e os reflexos em todo o mercado serão muito positivos.
Cabe ressaltar a importância do artista combinar as ferramentas de mídias sociais no ambiente digital, como Tik Tok e Instagram, para potencializarem a distribuição das suas músicas e com isso melhorar a performance nas plataformas de música. Mas seria assunto para um outro texto!
Texto originalmente publicado no site da Billboard Brasil, em 07/05/2024. Veja aqui.