Por Belinha Almendra.
Publicado em 16/10/2023.
1 – Você vem de uma família musical: seu pai ouvia música clássica e sua mãe música americana e jazz. Quando lhe apresentaram o piano, o que você sonhava em tocar?
Sonhava em tocar as músicas que ouvia nas rádios, que minha mãe e minha avó ouviam, e nos filmes que assistia nos cinemas. Aquelas músicas orquestrais me fascinavam e eu sonhava, um dia, poder fazer aquelas orquestrações e arranjos. Eram estas as minhas preferências até então. O instrumento piano só entrou em nossa casa no dia do meu aniversário de 13 anos. E quando o piano chegou, algo muito forte aconteceu, me senti intimamente conectado a ele. Sentei e comecei a tocar. Por consequência, comecei a ouvir e a tocar Jazz e Choro, mais especificamente, que era o que ouvia em casa e que tocava nas rádios. A Bossa Nova ainda nem havia começado. Mais tarde vieram os arranjos e as orquestrações. E então me realizei totalmente.
2 – Você já tocou com grandes intérpretes, como Gal Costa, Elis Regina, Nana Caymmi, Leny Andrade, Ney Matogrosso. Antes desta época, ainda nos anos 1960, alguns músicos de jazz não gostavam muito de cantores: era o seu caso?
Sempre gostei muito de cantores. Talvez essa seja uma característica do músico que é também arranjador. Fazer arranjos para cantores, para mim, é o mesmo que fazer uma trilha sonora para um filme. Você tem um tema, uma história e uma interpretação para criar a estrutura de uma obra musical. É fascinante.
3 – Impossível ouvir “O Bêbado e a equilibrista” e “Velha roupa colorida”, por exemplo, sem associá-las aos arranjos que você criou para Elis. Quando começou a escrever arranjos?
Eu devia ter uns 19 anos. Por ser autodidata, os primeiros arranjos foram um trabalho duro e muito difícil para mim. Mas aproveitei cada oportunidade e experiência para desenvolver e continuar desenvolvendo este caminho maravilhoso do arranjo e da orquestração.
4 – Para o projeto “Joined”, lançado em 2017, você convidou músicos europeus da música clássica para tocar ao lado do seu trio: Benoit Fromanger (flauta), Rüdiger Liebermann (violino) e Walter Seyfarth (clarinete). Como se deu a interação entre diferentes estilos musicais?
Nos conhecemos durante um festival de música erudita e popular em Trancoso (Bahia), onde eu era o diretor e curador de duas noites, a parte MPB e Jazz deste festival. Em conversas com os músicos europeus, eles demonstraram grande admiração pela música brasileira. Propusemos então que, em uma das noites, tocássemos juntos numa espécie de “Jam”. Como são exímios músicos clássicos, tinham grande preocupação por não terem intimidade musical com o estilo, com a improvisação. Disse então que poderia escrever para eles e eles toparam na hora. Fiquei muito entusiasmado com a vontade que demonstraram e com a experiência de mesclar os dois estilos. Foi um sucesso. A noite “Jam Session” tornou-se parte do festival e muito concorrida. Nos tornamos grandes amigos. Propus a eles que fizéssemos um projeto juntos: gravamos o DVD “Joined” e fizemos vários concertos no Brasil e na Europa.
5 – Você lançou o livro de memórias “Solo”, quando completou 50 anos de carreira. Há alguma história divertida ou curiosa que tenha ficado fora?
Naturalmente muitas histórias ficaram de fora do livro. E como já se passaram 12 anos, já há muitas outras para contar. Que ficarão para um próximo. (risos)
6 – A história da família musical se repetiu: como é acompanhar as carreiras dos seus filhos? A música também é um assunto constante entre vocês?
Sem dúvida. Mas em suas carreiras não dou palpite ou opinião sem que me peçam. E quando pedem, sabem que vou dar minha opinião honesta e sincera.