Publicado em 04/09/2023.
Com seu violão virtuoso, voz envolvente e uma dedicação incansável às questões sociais, ela transcende a mera definição de uma talentosa cantora e compositora sendo, indiscutivelmente, uma autêntica artista da transformação.
Neste bate-papo, mergulhamos profundamente na jornada de vida e carreira dessa ilustre artista brasileira que desenha novos horizontes com sua arte.
1 – Você é conhecida por suas habilidades únicas no violão e por incorporar diversas influências musicais em seu trabalho. Como você começou a explorar essa abordagem diversificada para a música e como isso moldou sua carreira?
Quando nasci, meus irmãos Sérgio e Odair Assad já tocavam violão, e assim, desde quando nasci, fui imersa no universo da música como parte da própria essência da vida. Curiosamente, meus primeiros sonhos artísticos eram voltados para a dança, aspirando ser uma bailarina. No entanto, aos 14 anos, comecei a tocar violão para acompanhar os chorinhos do meu pai, Seu Jorge, e essa experiência acabou mudando o rumo dos meus desejos, levando-me a desejar ser como meus irmãos. Assim, mergulhei profundamente nos estudos de violão e comecei a participar de competições nacionais e internacionais, conquistando prêmios ao longo do caminho. Mas, por volta dos meus 19 anos, uma revelação importante surgiu: percebi que o mundo do violão erudito era o território dos meus irmãos, não o meu. Esse foi um momento crucial em que comecei a questionar quem eu realmente desejava ser e a abrir minha mente para as inúmeras possibilidades que se apresentavam dentro e diante de mim. Com uma natureza curiosa, determinada e destemida, comecei a fundir todas as minhas paixões e interesses. Foi após o lançamento do meu primeiro álbum, ‘Dança dos Tons’ (1989), no qual vários músicos foram convidados para colaborar (a produção ficou a cargo do Sérgio), que um ponto de viragem surgiu. Eu me preparava para realizar meu próprio espetáculo que seria solo, sem aqueles músicos, e foi então que, intuitivamente e com grande dedicação, comecei a imitar todos os instrumentos presentes no disco usando apenas minha voz. Esse momento se revelou como o ponto de partida para uma jornada que mais tarde me rendeu o título, conferido pela crítica norte-americana, de ‘One Woman Band’ (Uma Mulher Banda). A partir desse momento, o céu passou a ser o limite, e essa abordagem multifacetada continua a me guiar até os dias de hoje. Continuo explorando todas as artes que sinto vibrar dentro de mim, seja na música em todas as suas formas e estilos, na dança ou no teatro.
2 – Além de tocar violão, você também é uma cantora talentosa. Como você equilibra e integra suas habilidades vocais com sua habilidade no violão para criar sua música?
A descoberta da minha voz foi um processo gradual. Inicialmente, a utilizei como uma ferramenta para imitar uma variedade de sons e timbres. Naquela época, encontrar aulas que ensinassem essa habilidade era uma tarefa desafiadora, especialmente antes da era da internet. Portanto, minha jornada foi, em grande parte, autodidata. Com o tempo, minha paixão pela exploração vocal cresceu, levando-me a buscar orientação. Decidi me matricular em aulas de canto ministradas por professoras tanto na área erudita, como a Neyde Thomas, quanto na área popular, como a Cláudia Mocchi. Em 1990, tive a oportunidade de participar do musical ‘Mulheres de Hollanda’. Nesse projeto, não atuei como violonista, mas como cantora. Foi uma experiência reveladora que me fez compreender o poder da interpretação. Motivada por essa descoberta, decidi também aprimorar minhas habilidades teatrais, buscando aulas com profissionais como Míriam Muniz e Cristina Mutarelli. Após o término desse musical, senti a necessidade de resgatar a força da minha relação com o violão, que havia diminuído durante os dois anos em que me dediquei ao espetáculo. Para isso, comecei a estudar, interessantemente, percussão, uma escolha que me proporcionou um profundo entendimento da polirritmia. Foi nesse período que percebi a possibilidade de fundir todas as minhas paixões de forma simultânea: violão, percussão, voz e minhas pesquisas artísticas. Além disso, comecei a incorporar movimentos às minhas performances, unindo a expressão corporal à minha música. Essa amálgama de influências e práticas artísticas passou por diversas fases de evolução, onde constantemente busquei novos caminhos para satisfazer minha sede de criação. Hoje, após ter descoberto minha veia como compositora popular, arranjadora e escritora (com o lançamento do livro ‘Volta ao Mundo em 80 Artistas’), meus anseios artísticos continuam a se desenvolver. Recentemente, tenho focado significativamente na arte da interpretação, aprofundando meu entendimento e aprimorando minhas habilidades neste aspecto essencial da minha carreira.
3 – Sua carreira internacional a levou a trabalhar com músicos de diferentes partes do mundo. Como essas colaborações influenciaram sua perspectiva musical e como você vê a música como uma linguagem global?
Sempre sou grata por ter tido o privilégio de compartilhar palcos e gravar com artistas internacionais incríveis. Participar de festivais, ao lado deles, ao redor do mundo também foi uma experiência enriquecedora. Para mim, essas vivências foram como uma escola única, onde intuitivamente absorvi uma infinidade de influências musicais no calor do momento. Mantive minha mente e coração abertos, com as antenas sempre ligadas, permitindo-me incorporar uma variedade impressionante de estilos musicais. Com o tempo, compreendi que, para mim, existem apenas dois tipos de música: aquela que me emociona profundamente e aquela que não. Esse entendimento resultou em um estilo eclético no qual tenho a liberdade de misturar e incorporar diversos elementos, desde que sinta que eles se encaixam em meu universo artístico. Quando seleciono uma música ou uma fusão musical para minha performance, costumo dizer que, durante aqueles preciosos minutos no palco, a compositora daquela canção sou eu. hehe… Quanto à música ser uma linguagem global, disso não tenho dúvidas. Já testemunhei histórias extraordinárias que confirmam essa afirmação. A música é composta por frequências sonoras, e são essas frequências que transcendem as barreiras linguísticas e emocionais, impactando inevitavelmente quem a ouve. É uma manifestação das leis fundamentais da física, e é simplesmente impossível não ser tocado por ela.
4 – Você é conhecida por suas performances envolventes e cheias de energia. Como você se prepara mentalmente e emocionalmente para suas apresentações ao vivo e qual é a sensação que você busca transmitir ao seu público?
O palco tem uma força, para mim, muito mística. Quando subo ao palco, sinto como se estivesse entrando em um templo, um estado de devoção e oração profunda. No decorrer de uma apresentação, eu tenho a possibilidade de explorar os cantos mais profundos do meu ser. A música, sendo uma das atividades que mais estimulam o cérebro, permite que ambos os lados do meu cérebro se comuniquem, abrindo portas para lugares desconhecidos e memórias guardadas profundamente. Por isso, eu não perco uma oportunidade de me entregar totalmente quando estou em um palco, vivendo intensamente todas as emoções que as músicas proporcionam. São emoções que talvez não teria a chance de experimentar em meu cotidiano. Portanto, para mim, essa experiência é também uma forma de terapia. Acredito que, ao mergulhar nessas energias no palco, o público presente na plateia tem a oportunidade de sentir e se conectar a essas emoções, como se estivessem pegando uma “carona” nesse turbilhão de sentimentos.
5 – A tecnologia desempenhou um papel significativo na indústria da música, tanto na produção quanto na distribuição. Como você acha que a tecnologia afetou a forma como os músicos se conectam com seu público e como você mesma incorporou a tecnologia em sua música?
Não há como negar o impacto da evolução tecnológica em todos os aspectos da nossa vida. É como diz a filosofia oriental: “Dentro de cada um de nós, existem dois lobos, o bom e o mau, e cabe a nós decidir qual deles alimentar”. Podemos traçar um paralelo semelhante com a tecnologia, que pode tanto nos beneficiar quanto nos prejudicar. A tecnologia nos oferece inúmeras possibilidades incríveis, mas também tem o potencial de afetar nossas fontes de sustento financeiro, por exemplo. Ela também nos conecta a um vasto universo de opções musicais de todo o mundo, mas, ao mesmo tempo, nossa própria produção musical pode se perder em meio a esse oceano quase infinito de possibilidades. Quanto ao relacionamento com o público, a tecnologia nos permite uma proximidade sem precedentes, o que é fascinante. No entanto, ela também cria ciclos viciosos nada saudáveis, além de pode ser desafiador sair da nossa “bolha” digital para acessar conteúdo que está fora dela. Portanto, é essencial encontrar um equilíbrio entre aproveitar tudo o que a tecnologia oferece e manter nossa conexão com nós mesmos em dia. Eu pessoalmente uso a tecnologia diariamente e sou imensamente grata por tudo o que ela me proporciona. No entanto, reservo um tempo do meu dia para práticas como meditação e estudo das minhas habilidades, bem como cuidados com o meu corpo. Isso me ajuda a manter o equilíbrio e a conexão comigo mesma em um mundo cada vez mais tecnológico.
6 – Sua carreira abrange uma ampla gama de álbuns e composições. Você poderia nos contar sobre um projeto recente ou compartilhar seus projetos futuros?
São 20 álbuns e, em 2024, celebrarei com grande orgulho 35 anos de uma jornada que continuo a percorrer e que não vejo motivo para encerrar – nunca! (risos) Atualmente, estou envolvida em diversos projetos paralelos e próprios que abraçam uma variedade de estilos e colaborações inspiradoras: Participo de uma homenagem às compositoras mulheres, ao lado da talentosa Thaïs Morell de Curitiba; Estou envolvida na gravação de um disco especial em comemoração aos 30 anos do álbum “Olho de Peixe” (de Lenine e Marcos Suzano) em parceria com a Orquestra Mundana Refugi; Também estou imersa em um projeto dedicado à “Músicas Caipira do Mundo”, em colaboração com o músico Carlinhos Antunes. Além disso, tenho o privilégio de ser convidada especial da Orquestra Jazz Sinfônica em São Paulo; Estou escrevendo um novo livro, contando a história e o legado da Família Assad, assim como tenho a visão de criar a Fundação da Família Assad em minha cidade natal, São João da Boa Vista. Estou criando um trio de mulheres cantautoras e violonistas. Aguardem! hehe. Paralelamente estou participando de várias gravações com outros artistas, incluindo artistas novos como Kacá Novais e Fábio Nogara, e outros como o incrível André Abujamra, Claudio Dauelsberg… E, por fim, tenho planos empolgantes para a produção de um monólogo musical-teatral, explorando o arquétipo do curador e apresentando várias histórias de superação, incluindo a minha própria, quando me recuperei da Distonia Focal, uma condição que, na época (1999), os médicos afirmavam ser incurável.