Publicado em 05/02/2023.
Por Belinha Almendra.
De uma família de artistas, optou por cursar direito na PUC-SP, mas sem nunca abrir mão de continuar desenvolvendo suas habilidades musicais, mantendo na mesma época os estudos de violão, piano, teoria musical, e até incluiu o curso de composição e regência no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
Venceu vários festivais de música realizados no interior de São Paulo, e também o Festival da PUC, no último ano da faculdade, que lhe premiou com uma gravação no Estúdio Eldorado, e exigiu a montagem do primeiro grupo, “Fruto Primeiro”.
Desde então, após gravar dois discos independentes com o grupo, atuando como pianista, intérprete e principal compositor, iniciou carreira de cantor e compositor com a gravação de quatro discos em parceria com Eduardo Santhana, durante a década de 1990, e mais seis em carreira solo, dos quais o mais recente é “Regalos”, lançado em 2021. Foi também um dos criadores do quarteto vocal “Trovadores urbanos”, com o qual gravou sete CDs e dois DVDs.
Já são muitos anos, álbuns e conquistas dedicadas à música e ao direito autoral de seus artistas. Uma história rica que o Juca nos deu a honra de compartilhar aqui no Sintonizando.
1 – Sua mãe, a cantora Maria Piedade, atuou na década de 1950 na lendária Rádio Nacional. Sua formação musical foi influenciada pelo que se ouvia em sua casa, como consequência direta do ambiente musical em que vivia?
Com certeza ! Minha mãe teve uma curta carreira como cantora, e logo em seguida se casou e se tornou mãe de oito filhos, do qual sou o mais velho. Mas dentro de casa a musicalidade dela sempre esteve presente, tanto nos discos que ouvíamos (Caymmi, Angela Maria, Silvio Caldas), como em cantorias familiares. Meus tios maternos também eram muito musicais, e toda reunião de família virava uma espécie de sarau. Além dessa influência, estudei piano desde os oito anos de idade com uma tia do meu pai, a querida Tia Esther, a decana das professores de piano da cidade onde nasci (Avaré-SP). O piano foi meu primeiro instrumento, e foi a partir dele que fiz minhas primeiras canções, quando adolescente.
2 – Ao mudar-se de Avaré para a cidade de São Paulo, no final dos anos 1970, você ingressou na Faculdade de Direito, enquanto estudava violão, teoria musical, composição e regência. Como tem sido, desde então, conciliar essas duas paixões, o Direito e a música?
Durante a faculdade de direito, eu me tornei de fato um compositor, e venci vários festivais, dentre eles o festival da PUC, quando estava no último ano do curso. Um dos prêmios era a oportunidade de gravar um programa que era muito importante na época, o “FM Inéditos”, da rádio Eldorado, produzido pelo Aloysio Falcão. Venci o festival, gravei o programa, e isso foi fundamental para a minha trajetória. Nessa mesma época me formei, e passei num concurso para procurador da prefeitura de São Paulo. Alguns colegas de turma passaram no mesmo concurso e logo iniciaram carreira acadêmica, como José Eduardo Cardoso (que anos depois se tornou ministro da Justiça) e Fábio Ulhoa Coelho (que se tornou um grande mestre em direito comercial). Enquanto esses dois e outros colegas iniciaram pós-graduações em várias áreas do direito, eu comecei a estudar composição e regência no Conservatório Dramático e musical de São Paulo, bem como violão clássico. A procuradoria me permitiu uma independência financeira, e pude dedicar uma parte do meu tempo à música. Foi a partir daí que vim conciliando as duas carreiras, a musical e a jurídica. E o lado musical, a partir de 1990, passou a ter duas vertentes : a autoral, com minha carreira como cantor e compositor, e a dos Trovadores Urbanos, grupo idealizado pela minha irmã Maida, e do qual sou um dos fundadores e membro desde o seu início, há quase 33 anos. Por fim, para conciliar de forma mais harmônica o direito e a música, acabei me especializando em direito autoral, e essa é a minha grande área de atuação. Que nada mais é do que uma conexão entre o direito e a arte.
3 – Durante a pandemia você lançou o álbum ‘Regalos’, que traz várias parcerias, uma elas ‘Una canción’, com o compositor uruguaio Diego Drexler. O projeto reúne integrantes talentosos da família Novaes, de diferentes gerações. Como foi produzir um projeto com tantas colaborações?
Meus discos normalmente envolvem participações de vários artistas (anteriormente a “Regalos”, em outros discos tive gravações com Lenine, Tavito, Chico Cesar, Ceumar, Pedro Altério, Dani Black, Danilo Caymmi, dentre outros). A parceria e a participação de Diego Drexler foi um caminho natural, pois além de grande artista é meu amigo e companheiro na defesa dos direitos autorais dos músicos. A participação de membros da minha família seguiu a mesma naturalidade, pois a influência musical da minha mãe passou para os filhos e daí para os netos e bisnetos. Todo encontro familiar é uma grande festa musical. A faixa título do disco, por exemplo, é uma parceria de quatro membros da família: meu irmão Ize, e meus sobrinhos Paulo Novaes e Lucas Caram, todos compositores. Eu fiz a letra. Do disco participaram também nos vocais minha sobrinha Bruna Caram, minhas irmãs Lucia, Maida e Lucila, e meus filhos Pedro, Beatriz e Tomás. Fizemos as contas e nos últimos dois anos foram lançados nove discos de membros da família.
4 – Da música para a literatura, você acaba de lançar “Meio Almodóvar, meio Fellini”, romance que tem a música como pano de fundo de uma paixão obsessiva, e que fala sobre criações de canções. Quando começou a exercitar o seu lado de escritor?
Escrevo poemas e letras de música desde a adolescência, e posteriormente crônicas e artigos, muitos publicados em livros e jornais. Em outras palavras, sempre escrevi. Mas nunca tinha me aventurado a uma obra de fôlego como um romance, uma ficção. Comecei a escrever esse texto em viagens, as ideias foram surgindo, e quando vi tinha uma estória. Ambientei a narrativa em meus dois ambientes profissionais : o musical e o jurídico, e coloquei como ponto principal a criação de canções, que é uma área de grande interesse para mim. Foi uma experiência incrível, e venho obtendo feed backs muito positivos sobre o livro.
5 – Sua atuação internacional como representante da Abramus, especialmente junto à Alcam (Alianza Latinoamericana de Autores), da qual foi eleito presidente em 2022, e do Ciam (Conselho Internacional de Autores de Música), lhe dá uma ampla visão do mercado da música e do direto autoral, aqui e lá fora. Na sua opinião, quais são as pautas mais urgentes na área da proteção intelectual no Brasil?
O Ciam é um órgão muito importante, criado dentro da Cisac (Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores), e integrado exclusivamente por criadores de música. Fui o primeiro não-europeu a ser eleito para esse Conselho, em 2011, em uma assembleia em Nairóbi, no Quênia. A Alcam foi criada em 2012, e depois de ter exercido a vice-presidência durante uma década, me elegi presidente em agosto desse ano. É uma luta permanente pela defesa dos direitos dos criadores latino-americanos. As pautas mais urgentes dizem respeito ao digital, em especial à necessidade de justa remuneração. A divisão de receita do streaming é inviável, e isso foi reconhecido num estudo efetuado por uma comissão no parlamento do Reino Unido, recentemente. É uma luta muito difícil, pois do outro lado estão algumas das empresas mais poderosas do mundo, relutantes em dividir a sua parte com os criadores. Mas existe uma luta persistente, em todos os continentes, para tornar mais justa essa equação. Outra luta importante é pela prevalência dos direito morais do autor. Precisamos lutar contra cláusulas injustas em contratos com as grandes empresas, em especial as do audiovisual (as chamadas cláusulas buy out), e ampliar os espaços para a difusão da música. A recriação do Ministério da Cultura é uma boa notícia para 2023, e ele terá uma difícil tarefa de reorganizar várias áreas fundamentais para a cultura do país.
6 – O que o Juca Novaes compositor planeja para 2023? Novos álbuns, novas colaborações?
Estou produzindo um disco chamado “Canções de primeira, volume 3”, que envolve músicas que participaram do festival de Avaré, do qual fui um dos criadores, e chegou a ser considerado o “melhor festival regional do Brasil”. Os volumes 1 e 2 foram lançados em 2014 e 2016, e esta terceira edição tem um significado especial porque em 2023 esse festival completará 40 anos. Tenho ainda projetos de produções fonográficas em parcerias com artistas internacionais, em Cabo Verde e no México, além de um projeto de disco infantil, e de um outro de canções que criei com novos parceiros, como Roberto Menescal e Murilo Antunes. Ficarei muito feliz se todos esses meus projetos vierem à tona nesse novo ano.