Publicado em 20/05/2022
By Belinha Almendra.
A canção “Virulência”, parceria de Alexandre Nero com o saudoso Aldir Blanc, poeta, cronista e um dos maiores letristas da música brasileira, abre de forma impactante e potente o novo álbum do músico, cantor, compositor e ator Alexandre Nero. Há tempos ele queria voltar a gravar, afinal, foi na música que o curitibano iniciou sua trajetória artística, bem antes da carreira de ator projetá-lo nacional e internacionalmente.
O novo álbum de Alexandre Nero, inteiramente autoral, já está disponível nas plataformas de streaming e conta com as participações especialíssimas de Elza Soares e Milton Nascimento. Alexandre Nero conversou com a Abramus sobre o novo projeto e o que preparou para o público paulista.
1- Foram 11 anos longe do processo de gravação de um álbum. Como se deu a criação de “Quarto, Suítes, Alguns Cômodos e Outros Nem Tanto”?
Por volta de 2017/2018, eu estava no sertão da Paraíba gravando uma série, e nesse isolamento total compus “Lajedo do sertão”. Havia muito tempo que não compunha e queria mostrar essa canção para as pessoas. Foi quando voltei a ter vontade de gravar, essa foi a semente de tudo. Agora, sobre o processo em si, o disco foi o projeto mais longo que eu já fiz na vida, sem dúvida alguma. Ele acabou sendo atravessado pela pandemia e todas as questões que a gente viveu. Foi um mergulho profundo e eu cheguei a pensar em desistir, mas com a chegada da letra do Aldir Blanc, da Elza Soares e do Milton Nascimento no disco – posteriormente da Orquestra de São Petersburgo -, ficou tudo muito bonito, muito potente. Considero esse meu melhor trabalho musical, sem dúvida alguma. Estou apaixonado por ele.
2- Quem conhece o Alexandre Nero ator, protagonista de filmes, séries e novelas, talvez não saiba que a sua formação artística se deu na música. O ator acabou roubando o espaço do músico, ao longo da última década?
Esse lugar da música em mim sempre existiu e sempre vai existir. O músico e o ator se complementam, não tenho como separar as duas coisas. O que aconteceu é que, nesses últimos anos, precisei focar no trabalho como ator, por isso demorei tanto a fazer esse novo disco. Posso dizer que hoje eu sou um compositor, um músico, movido unicamente pela inspiração, pelo amor à arte.
3- Voltando ao novo álbum, “Quarto, Suítes, Alguns Cômodos e Outros Nem Tanto” traz uma sonoridade repleta de silêncios, andamentos lentos, convites à reflexão. Como essa atmosfera foi construída?
A ideia era essa. O disco busca o lugar da calma, do respiro, do silêncio. E também um caminho de esperança, sem negar a tristeza que havia lá no começo do processo. Digo sempre que é um disco para as pessoas perderem um tempo nele, para quem quer escutar música. É para ser pensado, refletido, não pra ser dançado. Vivemos um momento no qual tudo tem que ser pra cima, dançante, alegre, feliz o tempo todo, 24 horas por dia, e o disco vem na contramão, pra dizer que o mundo não é só euforia e excitação. Musicalmente falando, é um álbum de canções, de MPB, atravessado pela música erudita e até experimental. Tem muita informação ali no disco, mesmo que isso possa passar despercebido. Conscientemente ou não, dá pra ouvir influências de Stravinsky, John Cage, Tião Carreiro e Pardinho, Clube da Esquina, e por aí vai. Fui atrás de melodias na minha memória, e com imagens fortes. Gosto de pensar que através do disco, alguém possa assistir a um filme em sua imaginação.
4- A já citada “Virulência”, sua com Aldir Blanc, que contou ainda com a participação de Antônio Saraiva na parceria, acaba de ganhar um videoclipe dirigido pelo cineasta Walter Carvalho. Como surgiu o convite?
Precisava de alguém à altura para dirigir o clipe de “Virulência”, então, pensei: porque não o Walter Carvalho, um dos maiores cineastas da nossa história? Ficamos amigos durante as filmagens da série “Onde nascem os fortes”, na Paraíba, onde tudo começou. Liguei pro Waltinho, contei a história da música e ele topou na hora. Mandei uma pré-mixagem da faixa para ele ouvir, ainda sem as cordas da Orquestra de São Petersburgo. Como estávamos em meio a pandemia e eu disse: “não precisa me filmar, faça o que quiser, como quiser”. Como eu não sabia o que viria, me emocionei muito quando vi. A simplicidade, que é uma característica do cinema que o Walter faz, é de uma grandiosidade tão profunda que me paralisa. O clipe resume o disco imageticamente, poeticamente, musicalmente, com seus silêncios e pausas.
5- Por ter sido gravado na pandemia, sem que todos os músicos estivessem juntos, em estúdio, como tem sido o processo de adaptação para o show do novo álbum, que estreia por São Paulo, no próximo dia 20?
Uma coisa é o disco, quem tem aquele tempo de contemplação, aquela proposta, e outra será o show. Estamos criando novas versões, redescobrindo as músicas, experimentando novos instrumentos. Não há como levar uma orquestra para o palco, por exemplo, mas teremos uma intenção de orquestra ao inserir instrumentos como o violoncelo e o baixo acústico, ambos tocados com arcos. O show tem formato de banda, com percussão, piano, violões e guitarra, uma sonoridade com mais “pegada”, mesmo. A ideia é trazer algumas intervenções cênicas, também, o que não quer dizer teatro. Só o fato de estar no palco, pra mim, já implica em compreender o espetáculo como algo cênico. O ator sempre está em cena. Assim como o músico sempre está presente quando atuo.