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Publicado em 05/01/2022
A música de Jorge Ben é um resultado alquímico da mistura entre a África, o Brasil e outros países da diáspora negra. Em seu 14º LP de estúdio, África Brasil, o artista se dispôs de sua mística pessoal para, em 1976, deixar seu icônico violão de lado, empunhar a guitarra elétrica e criar clássicos como “Umbabarauma”, “Camisa 10 da Gávea”, “A História de Jorge” e “Xica da Silva”. No livro “África Brasil: Um dia Jorge Ben voou para toda a gente ver” (Edições Sesc), a jornalista Kamille Viola destila exatamente o que ficou oculto ou nas entrelinhas dessa obra do alquimista e de seus caminhos e experimentações até chegar a esse elemento final.
Na jornada para contar a história do último disco da chamada “trilogia mística” do artista – de que fazem parte A tábua de esmeralda (1974) e Solta o pavão (1975) –, Viola conseguiu a façanha de entrevistar Jorge, que ao longo dos anos vem se tornando cada vez mais inacessível para a imprensa. O livro também conta com depoimentos de artistas influenciados por Ben, como Gilberto Gil, Mano Brown, Marcelo D2, Lúcio Maia, Jorge Du Peixe, Gustavo Schroeter e BNegão; parte da banda que o acompanhava na época, a Admiral Jorge V (o baixista Dadi, o baterista Gustavo Schroeter e Joãozinho da Percussão), o produtor do álbum, Marco Mazzola, e até o craque de futebol Zico, homenageado na faixa “Camisa 10 da Gávea”.
A pesquisadora, que vem se debruçando sobre a obra de Jorge Ben há mais de uma década, traça um histórico da vida do artista até chegar no mítico álbum de 1976, em que o artista fez uma mudança radical em sua sonoridade. No livro, ela desvenda algumas passagens misteriosas da história do artista – que sempre buscou proteger sua vida pessoal –, como sua verdadeira idade, e resgata episódios marcantes de sua trajetória que caíram no esquecimento, entre elas a tentativa do produtor de Bob Marley de lançá-lo internacionalmente, como uma espécie de “versão brasileira” do ídolo jamaicano, e a batalha musical que travou com o humorista Juca Chaves durante a ditadura militar.
O livro também traz uma abordagem da importância do artista para a construção de um imaginário negro positivo no país. Jorge exaltava a cultura negra, se autodeclarava negro e escrevia suas canções a partir desse ponto de vista, em um período em que vigorava no país o mito da democracia racial. Por isso, o trabalho busca desconstruir os estereótipos sobre pessoas negras que foram associados ao artista ao longo de sua carreira, inclusive quando sua música era elogiada. Em entrevista à autora, Mano Brown, líder do grupo Racionais MC’s e fã confesso, resume a importância de Jorge Ben em sua trajetória:
“A gente mora num país negro onde a maioria dos artistas (de sucesso) era branco. O Jorge Ben sempre foi inspirador. Em vários momentos. Nem sempre só para poder trabalhar, só pra usar (como sample) ou cantar. Para ouvir e para viver, que é a melhor coisa. Quando eu passei a fazer música, passou a fazer parte da minha música também. Isso aí ia ser óbvio. Influência direta. Porque a gente escreve rap em português. Não tivemos aquela escola, a gente não teve acesso ao que os negros americanos falavam, a gente não sabe o que eles falavam. A gente imagina o que eles falavam. Mas o Jorge Ben, eu sei exatamente do que ele tá falando”, conta ele na obra.
Kamille Viola pontua no livro: “Gilberto Gil, Mano Brown, Chico Science e Nação Zumbi: todos tiveram Jorge Ben como farol. O tropicalismo, o rap nacional e o mangue beat, três das mais importantes expressões musicais do nosso país, beberam na fonte do alquimista. Se não fosse Jorge Lima Menezes, o Babulina do Rio Comprido, a história da música brasileira certamente seria outra.”
Em uma série de livros digitais, a coleção Discos da Música Brasileira apresenta em cada volume a história de um importante álbum que marcou a música, seja pela estética, por questões sociais e políticas, pela influência sobre o comportamento do público, como representantes de novidades no cenário artístico ou, também, por seu impacto no mercado fonográfico. Artistas e bandas que fizeram história tão logo despontaram, com repercussão nacional e internacional, cada um à sua maneira. Analisando as obras de um ponto de vista histórico, cultural, social e estético, os textos propõem apresentar narrativas em forma de livro-reportagem (meio jornalístico, meio cinematográfico), ouvindo as pessoas envolvidas na criação do álbum e aprofundando-se em detalhes sobre as canções, contando histórias de bastidores das gravações e estabelecendo elos com o presente, desenhando uma cadeia de influências que permita um olhar sobre a música brasileira hoje. A coleção Discos da Música Brasileira, que já conta com os books Da lama ao caos: que som é este que vem de Pernambuco?, de José Teles; e Acabou Chorare: o rock’n’roll encontra a batida de João Gilberto, de Márcio Gaspar, é publicada em português e em inglês e tem organização do crítico musical Lauro Lisboa Garcia.
Nascida no Rio de Janeiro, Kamille Viola é jornalista e pesquisadora musical, com passagens e colaborações por veículos como O Globo, O Estado de S. Paulo, O Dia, Billboard Brasil, Bizz, Marie Claire, UOL, canal Futura e News Deeply. Ganhou o Prêmio Imprensa Embratel 2009, na categoria Jornalismo Cultural, e o Prêmio Petrobras de Jornalismo 2014, na categoria Regional Rio de Janeiro/Espírito Santo – Regional Rio de Janeiro/Espírito Santo. Cresceu na Tijuca, bairro vizinho ao Rio Comprido de Jorge Ben.
Kamille Viola
Coleção Discos da Música Brasileira
Organização: Lauro Lisboa Garcia
e-book, Edições Sesc, 2020
ISBN: 978-85-9493-222-8
Preço de venda: R$ 15,00
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Pautadas pelos conceitos de educação permanente e acesso à cultura, as Edições Sesc São Paulo publicam livros em diversas áreas do conhecimento e em diálogo com a programação do Sesc. A editora apresenta um catálogo variado, voltado à preservação e à difusão de conteúdos sobre os múltiplos aspectos da contemporaneidade.