Raiz, moderno e sincero. Qualidades que configuram não apenas o som, mas a essência de Rincon Sapiência. Das raízes afro-brasileiras à pós-modernidade, sua arte resgata, dá continuidade e vida a diferentes elementos que compõem o Rap. Em entrevista exclusiva ao Sintonizando, Rincon Sapiência fala sobre a influência da cultura africana em sua música e vida, sobre o seu selo MGoma e o que faz do Rap ser um dos gêneros musicais mais apreciados no mundo.
Exprimir sentimentos nem sempre é fácil. Falando de amor ou injustiça, a música tende a ser um catalisador e porta-voz do que por vezes somos impedidos de falar. O que te inspira?
Eu sou um cara de abertura para ver o que a vida me conta e eu expresso isso através de música. Eu não busco uma única fonte inspiradora para fazer a minha obra. Eu vivencio. A gente passa altos e baixos. Numa hora a gente está muito tranquilo em outra passando por um problema. Então tudo isso pode ser um ponto inspirador para gente fazer música. Sem contar que eu coloco o amor e a expressão artística acima de tudo, mas inevitavelmente é o meu trabalho também então eu sei que preciso compor porque isso alimenta o meu trabalho e é algo que eu gosto de fazer. É uma mescla das coisas. Algo pode acontecer na minha vida e me inspirar a compor, como eu mesmo posso fazer uma pesquisa e saber o que eu vou falar e o que eu vou compor e correr atrás dessa inspiração e isso não ser espontâneo. Mas de ambas as formas é sempre com sinceridade e amor e acho que é isso o que acaba impactando as pessoas.
Existe um movimento cultural, do qual faz parte, onde o artista brasileiro vai ao continente Africano para se reconectar com as suas raízes. O quão importante é esse resgate musical e social?
Eu acho que esse processo de ir até o continente africano faz você se conhecer, conhecer o seu país. Você vai ver algum fenótipo que é parecido com o seu ou com o de algum amigo seu, vai ver algo na culinária que é parecido com o que sua mãe ou seu pai fazia, o comportamento, o humor das pessoas, a musicalidade, enfim, é um exercício que eu sempre faço é criar memórias a partir do que eu vejo no continente africano e isso acontece por várias vezes. Eu escuto um som que parece a música do Nordeste aqui do Brasil, eu vejo uma arte marcial que tem movimentos parecidos com o da capoeira, e por aí vai. Culinária, temperos, a cultura no geral. Então isso influencia na minha arte e em muito do que eu faço. Mas para mim a grande valia de conhecer o continente africano é você conseguir criar mais identidade sobre a sua personalidade, sobre o país que vivemos, no caso o Brasil, que é o país com mais pretos e remanescentes de África fora do continente africano.
O Rap ganha uma nova roupagem à partir do início do século XX. “Nada Como Um Dia Após o Outro”, por exemplo, soa mais robusto em relação ao seu antecessor “Sobrevivendo no Inferno”, do Racionais MC’s, assim como seu single “Onda, Sabor e Cor” em relação a “Elegância”. De que forma essa nova estética contribui para o processo criativo?
A música Rap fala muito sobre as pessoas. Sociedade, rua, cotidiano e são coisas que passam por mutações. No meu ponto de vista, em muitas vezes há um equívoco sobre você querer manter algo que foi interessante daquele formato por muito tempo. A música Rap evolui conforme os diálogos mudam, conforme as gírias mudam, conforme os recursos mudam. Nem sei se evoluir é a palavra certa, mas ele se transforma. Evoluir tem a ver com melhorar e eu não consigo avaliar se é melhor ou pior mas as coisas mudam de fato. Eu tinha a ideia de falar sobre moda em Elegância, lançada em 2010. Se eu pensar em falar em moda hoje eu tenho outras referências, uma outra sociedade usando outras coisas então já não dá para mais para ser igual. Sou um cara super tranquilo em relação a mudanças e isso não me impacta não.
O selo MGoma faz um resgate ao Do It Yourself (faça você mesmo), difundido pelo movimento Punk em meados da década de 70. O quão importante é inspirar e incentivar novos artistas?
Pode ser muito útil você se associar com selos, gravadoras ou qualquer tipo de investidor que venha otimizar o seu trabalho. Mas a ideia é justamente essa, otimizar. Então se da parte de um terceiro não houve a proposta de otimizar e fortalecer o seu trabalho, hoje em dia as coisas se democratizaram, não muito ainda, mas à ponto de você, com organização, conseguir fazer algumas gerências como gravar e produzir o seu próprio trabalho. Você, juntamente com uma equipe não muito grande, pode organizar burocracias do entorno do seu trabalho. Então preferi essa opção e acho isso positivo em vários aspectos. Traz uma demanda muito grande de responsabilidades, mas hoje em dia é possível. As informações são mais acessíveis, os recursos também e eu sou um entusiasta do “Faça Você Mesmo”, a não ser que haja uma boa proposta de um terceiro.
O seu som é composto de elementos de outros ritmos como o funk, o pop e o afro-brasileiro. É essa mescla que faz do Rap um movimento popular tão democrático?
São esses elementos que justificam o Rap ser o gênero mais ouvido no mundo. É um gênero musical que tem para todos os sabores. Se você está naquele momento de contestação social, incomodado com o sistema todo e essa parada toda, você tem músicas para isso. Se você quer se divertir, dançar, extravasar, você tem músicas de Rap pra isso. Você quer curtir uma intimidade, você e uma pessoa, você tem várias músicas de Rap que contemplam isso também. Se você gosta do verso, da poética, também tem. Se você gosta de algo mais melódico, existe isso. Então existem muitos sabores no Rap. Clima de tensão, de alegria, de tudo. E o Rap talvez seja o gênero musical que mais dê abertura para isso porque ele se define como ritmo e poesia e esse ritmo vai de acordo à criatividade do artista. Então é por essas e por outras que eu acho que o Rap tem sido um gênero musical dos mais interessantes. Não só aqui como no mundo todo.
Confira alguns destaques do trabalho do Rincon Sapiência:
Rincon Sapiência – Meu Ritmo
Rincon Sapiência – “Elegância”