Publicado em 08/03/2023.
Por Sérgio Martins.
“Ou eu ou o piano”, disse um furioso Jacinto Ribeiro do Amaral para sua mulher, Francisca Edviges Neves Gonzaga. Ela não teve dúvidas: preferiu as teclas – que, aliás, lhe tinham sido dadas como dote de casamento – e largou o valentão, ato que custou o desprezo da família. Sorte a nossa: com o nome de Chiquinha Gonzaga, a autora desse ato de coragem se tornou a primeira grande maestrina e compositora brasileira, criadora de hinos eternos como a marcha Ó Abre Alas e mais de 2 000 composições, entre valsas, polcas e maxixes. O tal imbróglio teria acontecido em 1867 e Chiquinha estaria com vinte anos. Mas os “jacintos” são mais comuns do que imaginamos: no Dia das Mulheres, que é comemorado hoje, entrevistamos artistas e executivas que se destacaram em seu ramo de atuação. As queixas em relação a esse pensamento retrógrado são comuns, embora a situação das mulheres tenha melhorado desde a segunda metade do século XIX.
Segundo dados do Ecad, em 2021 a participação feminina na arrecadação de direitos autorais aumentou 5% em relação ao ano anterior. Foram beneficiadas quase 23 000 artistas do sexo feminino, representando 10% do total de titulares de pessoa física contemplados com direitos autorais em 2021. Foram 66% de autora, 29% de intérpretes e 5% das demais categorias (musicistas e produtoras fonográficas). Mas a luta continua. Logo abaixo, profissionais de destaque no mercado dizem quais os desafios de suas profissões.
VANISA SANTIAGO
1) Qual o principal desafio da mulher no mercado de trabalho, no tocante ao mundo artístico?
Acredito que no mundo artístico em geral – inclusive no mundo da gestão do direito autoral – o principal desafio para as mulheres, sempre bem-vindas quando se trata do desempenho de algumas funções, é o de alcançar o comando e os postos de chefia nas empresas e associações em que atuam.
2) Quais são as principais vitórias da mulher nesse mesmo mercado de trabalho?
Na minha opinião as vitórias das mulheres consistem no reconhecimento dos seus méritos profissionais, de sua eficiência, dos resultados de seu trabalho, e na conquista da confiança e do respeito dos companheiros, sejam eles seus chefes ou subordinados.
3) O que falta para a mulher ser devidamente reconhecida – e se livrar de preconceitos – nesse meio?
Considero que nesse meio os desafios para as mulheres, basicamente, não diferem muito daqueles que são enfrentados em outros ambientes. É preciso não perder o foco, perseguir as metas e encarar os preconceitos com cordialidade, disposição, dignidade, sobriedade e firmeza. Como dizia Walter Franco, “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo” A música popular brasileira tem resposta para tudo…
JOYCE MORENO
1) Qual o principal desafio da mulher no mercado de trabalho, no tocante ao mundo artístico?
Ser mulher no Brasil já é complicado, e cada vez mais. O desafio de estar na área da criação, embora enorme, chega a ser pequeno diante do desafio de ser mulher neste nosso país. Temos muito que fazer…
2) Quais são as principais vitórias da mulher nesse mesmo mercado de trabalho?
Vejo o crescimento das mulheres compositoras e instrumentistas como uma grande vitória, que levou décadas para ser conquistada.
3) O que falta para a mulher ser devidamente reconhecida – e se livrar de preconceitos – nesse meio?
O mesmo que falta em TODAS as áreas: educação. O entendimento da mulher como pessoa, cidadã, criadora, no mesmo patamar dos homens, queiram ou não.
LUCIANA PEGORER
1) Qual o principal desafio da mulher no mercado de trabalho, no tocante ao mundo artístico?
O mercado artístico exige muitas horas de trabalho dedicado, uma demanda que se estende para além do escritório, que atravessa madrugadas e entra por vezes nos finais de semana. Para uma mulher que deseja uma vida em família, ter filhos, o equilíbrio casa / trabalho é muito desafiador. Felizmente é um mercado que proporciona muitas oportunidades de empreender, e isso dá uma liberdade maior para que as mulheres possam atuar com excelência, dentro das áreas que escolheram, sem precisar abrir mão dos outros chamados da vida.
2) Quais são as principais vitórias da mulher nesse mesmo mercado de trabalho?
Eu venho de lá atrás nessa indústria, final dos anos 90. Posso afirmar que esse mercado mudou demais com relação às mulheres. A luta foi árdua, persistente e constante. Como resultado, vemos hoje um grande número de mulheres donas de empresas, diretoras de grandes corporações, líderes em seus nichos de mercado. Essas mulheres inspiram toda uma nova geração que chega ao mercado de trabalho.
3) O que falta para a mulher ser devidamente reconhecida – e se livrar de preconceitos – nesse meio?
Na minha visão, muitas vezes falta a atitude da própria mulher. Ela não tem que esperar que lhe estendam o tapete. Tem que mostrar a sua competência, a sua entrega e ocupar o seu espaço. O sinal está aberto pra nós.
ANA FONSECA
1) Qual o principal desafio da mulher no mercado de trabalho, no tocante ao mundo artístico?
O desafio da mulher no mundo artístico, como em qualquer outro segmento profissional, é a conquista de igualdade de condições em qualquer setor, ou seja, igualdade competitiva.
2) Quais são as principais vitórias da mulher nesse mesmo mercado de trabalho?
Eu diria que foi a conquista de cargos de direção. Quando comecei há mais de 30 anos não havia nenhuma mulher na Diretoria das empresas. Fui a primeira graças a minha enorme dedicação e a visão além do seu tempo de um dos grandes executivos da Indústria que foi André Midani. Hoje – decorridos 30 anos- temos a satisfação de ter a primeira mulher no cargo de direção artística e a primeira Presidente de um das grandes multinacionais de música no Brasil.
3) O que falta para a mulher ser devidamente reconhecida – e se livrar de preconceitos – nesse meio?
Como mencionei anteriormente, não só neste mercado mas em qualquer segmento profissional falta visão do mundo masculino que, inconscientemente, não quer perder o poder e, também, da mulher em adquirir confiança no seu poder de conquistar as melhores posições fora do “lar”.
O tempo é nosso maior aliado se considerarmos que até os anos 60 as mulheres casadas só podiam trabalhar fora se o marido permitisse.
Esta situação está bem refletida em recente documentário da trajetória da primeira mulher – Ruth Ginsburg – a alcançar a Suprema Corte dos EUA.
FERNANDA AUDI
1) Qual o principal desafio da mulher no mercado de trabalho, no tocante ao mundo artístico?
Acho que deixar claro que, apesar de trabalharmos um ambiente festivo, descontraído, e muitas vezes informal, nós somos profissionais capacitadas, sérias, estudamos e nos aperfeiçoamos como todos os outros.
2) Quais são as principais vitórias da mulher nesse mesmo mercado de trabalho?
Talvez o entendimento ao longo do tempo do que disse acima. Caso contrário tantas de nós não teriam chegado a cargos tão importantes.
3) O que falta para a mulher ser devidamente reconhecida – e se livrar de preconceitos nesse meio?
Isso passa muito pela nossa cultura como um todo. Da nossa parte não falta nada.
TATÁ AMARAL
1) Qual o principal desafio da mulher no mercado de trabalho, no tocante ao mundo artístico?
Falarei sobre o audiovisual, que é a área em que atuo.
Na minha opinião, nosso grande desafio no mercado de trabalho é ter oportunidades e salários iguais aos homens, ocupar posições de destaque e comando de maneira a expressar nosso ponto de vista, subjetividade, visão de personagens, histórias e modo de atuar profissionalmente.
Assim, estaremos renovando o pensar e agir tradicional que privilegia e torna natural a sociedade baseada no desejo e visão exclusiva dos homens. No quesito estereótipo, a objetificação do corpo da mulher, a ausência de diálogos que tratem de outro assunto que não seja homens, apenas para citar alguns exemplos, é assustadora.
Além da representatividade e representação das mulheres, as pessoas negras, indígenas de qualquer gênero é também uma bandeira assumida pelas mulheres.
Outro desafio é o etarismo que afasta do mercado de trabalho as mulheres e profissionais que possuem experiência e idade, reforçando outro estereótipo que é a mulher jovem.
Queremos contar nossas histórias para a sociedade e para isto precisamos trabalhar. Queremos quebrar os estereótipos tradicionais construídos por cineastas, roteiristas e produtores homens brancos, durante décadas do audiovisual.
Temos clareza de que na ANCINE, Fundo Setorial do Audiovisual, Conselho Superior de Cinema e demais órgãos do audiovisual brasileiro precisam contar com a pluralidade de gênero e raça para poderem atuar.
O mesmo em relação às entidades que nos representam, programas de comercialização, desenvolvimento, formação e preservação, criativo de televisões, streamings, distribuição, difusão e divulgação.
Parece muito e de fato é: são posições tradicionalmente ocupadas por homens, para as quais queremos estar presentes.
2) Quais são as principais vitórias da mulher nesse mesmo mercado de trabalho?
Nossa Ministra da Cultura e nossa Secretária do Audiovisual são mulheres negras. Suas presenças preveem que ações e políticas públicas para o audiovisual serão inclusivas e abertas à sociedade brasileira em toda sua riqueza e diversidade. Muitas obras – filmes, séries, games – são roteirizados, dirigidos e produzidos por mulheres e temos muitas que são destaque na sociedade. Somos maioria na sociedade, queremos trabalhar e expressar nossa riqueza.