Publicado em 07/05/2021
Começou dirigindo documentários. Sua primeira série documental foi Música Libre, com cinco episódios sobre o universo musical do Caribe. Dirigiu mais de duzentos programas documentais para a TV Brasil entre os anos de 2008 e 2014. Escreveu e dirigiu o longa-metragem Construção, lançado em 2012, com produção associada de Walter Salles e Patrícia Pillar. E foi esta produção que fez José Padilha convidá-la para dirigir um dos episódios da série documental da Netflix, Meu Amor- 6 histórias de Amor Verdadeiro, em que é um dos produtores executivos. A série lançada em abril foi rodada em 6 países e retrata um ano na vida de seis casais que estão juntos há mais de 40 anos de diferentes lugares do mundo, entre eles, o Brasil. O episódio dirigido por Carolina conta a história de amor de Nicinha e Jurema, casal homoafetivo, moradoras da Rocinha, de religião de matriz africana e que para a diretora representam a resistência pelo amor.
Na música lançou seu primeiro álbum Adundundarandun, uma parceria com o músico cubano René Ferrer e hoje lança ATLANTIKA, disponível em todas nas plataformas digitais. O álbum de canções autorais traz também curtas-metragens e vídeo clipes de 12 cineastas brasileiros que realizaram lindos trabalhos disponíveis no seu canal do YouTube.
Carolina sempre trouxe a música para suas produções e o cinema para suas músicas. O lançamento da série e do álbum em períodos tão próximos foi o encontro das duas expressões artísticas que a realizam imensamente.
Nesta entrevista, Carolina conta da sua trajetória, seus projetos, seu novo álbum e os detalhes da série da Netflix, que já é um grande sucesso.
Você é cantora, compositora, cineasta, diretora e roteirista. Você tem preferência para atuar em alguma destas áreas, ou alguma que você se sinta mais realizada?
Comecei a dirigir documentários há 20 anos atrás quando fiz minha primeira série musical/ documental para a TV, chamada Música Libre filmada em Cuba, Haiti, Jamaica, República Dominicana e Trinidad & Tobago (na época exibida no Canal GNT e posteriormente em outros canais do Brasil e dos EUA). Desde então dirigir filmes e documentários para TV e cinema virou meu ofício, de onde tiro o sustento para meus filhos, mas também onde realizo minha expressão artística e faço reflexões sobre o mundo e experimentações de linguagem. A música porém foi minha primeira expressão. Compus minha primeira canção aos 7 anos, comecei a tocar violão aos 10 e já tenho mais de 80 composições de minha autoria. Porém, até pouco tempo atrás, era uma expressão muito particular. Só recentemente é que entendi que podia também ser uma expressão artística para colocar no mundo e mostrar para as pessoas. Então posso dizer que ambas as expressões me realizam imensamente. No fundo faço filmes muito musicais e músicas muito cinematográficas. Apesar de serem processos bem diferentes, todos nascem do mesmo lugar.
Quais suas inspirações para seu processo criativo em todas áreas que atua?
Minha inspiração vem da vida e seus ensinamentos. Da própria travessia existencial pela qual todos nos passamos. Pode vir de experiências amorosas, espirituais, familiares, reflexões filosóficas e também da própria observação do mundo e das pessoas. O mundo está cheio de inspiração, desde as músicas que ouvimos aos filmes e livros que nos emocionam. Pode vir de uma conversa com os amigos ou mesmo com um estranho que talvez traga uma faísca de pensamento que sirva de inspiração para criar algo. Os outros também me inspiram muito, não é toa que fiz uma série sobre o processo criativo de 8 artistas brasileiras que admiro: Bia Lessa, Paula Gaitán, Juçara Marçal, Sonia Gomes, Mana Bernardes, Angel Viana, Rosângela Rennó e Lia Rodrigues. A série chama Onde Nascem As Ideias (exibida no Canal Curta!) onde eu queria justamente entender o processo artístico de mulheres que admiro e que me inspiram. Foi um belo mergulho e me sinto honrada delas terem permitido eu criar uma obra documental a partir da observação do processo artístico delas. Na música o processo nasce de inquietações, angustias, dores ou alegrias que se manifestam trazendo esses sentimentos para as letras e os sons.
A música também sempre esteve muito presente no seu trabalho no audiovisual. O que a música representa para você?
A música pra mim é como uma amiga antiga, que me acompanha desde a minha primeira infância. Minha mãe e minhas tias me contam que eu pequena lembrava e cantava músicas inteiras. Eu era capaz de ouvir o mesmo disco do Gil, Caetano, Beatles ou Raul Seixas repetidas vezes para entender as nuances sonoras. Minha mãe tocava (e toca) violão muito bem, uma escola bossa-nova de violão, e eu gostava de cantar para acompanhá-la. Então a música anda comigo como uma velha companheira, um anjo da guarda, algo que está sempre ao meu lado. E ela vai alargando meu olhar sobre o mundo na medida em que descubro e me conecto com algum ritmo, artista ou expressão musical nova e diferente, então isso cria novas referências musicais que vão me influenciando. Acho que isso acontece com muita gente. Já as músicas que eu componho são pra mim como uma linha que me liga ao subconsciente. Um lugar onde me conecto muito profundamente com questões pessoais e que quando a música emerge é como parir um sentimento que deixa de ser abstrato e se torna algo quase palpável, compreensível. No fundo acho que a música é uma benção espiritual que o dom humano consegue incorporar e trazer para um outro plano.
Conte-nos sobre a concepção do seu novo álbum.
ATLANTIKA nasceu do desejo de colocar no mundo canções autorais novas e antigas num álbum que evocasse a ideia de travessia tanto filosófica- das letras- quanto musical. Queria fazer um trabalho cujas referências musicais trouxessem elementos das diásporas africana e europeia que atravessaram o Atlântico e que formaram nosso cancioneiro. Pensando nisso chamei dois músicos com trajetórias bem diferentes para produzir o álbum: o músico e escritor cabo-verdiano Mario Lucio e o músico e arranjador ítalo-germânico Chester Harlan que junto comigo, o violoncelista italiano Federico Puppi e músicos brasileiros Henrique Band, Marco Lobo e Charles Bonfim construíram um mar sonoro entre o Brasil e o continente africano e europeu. Enquanto Mario Lucio produziu as canções mais solares do álbum, Chester escreveu para as mais sombrias. O resultado é um mergulho em rítmicas diversas acompanhadas de letras que falam de vida, morte, encontros, partidas, amor, alegria, dor e desilusão. Uma travessia atlântica. Confira já ATLANTIKA!
Nele você convidou 12 cineastas brasileiros para criar curtas-metragens e vídeo clipes para suas canções. Como surgiu esta ideia e a escolha dos diretores?
Eu já estava maturando essa ideia desde o meu primeiro álbum (Adundundarandun, uma parceria com o músico cubano René Ferrer) quando eu dirigi um clipe e a diretora Clara Kutner dfez outro. Nesta época eu já tinha vontade de criar um álbum visual e unir essas duas vertentes do meu trabalho, a música e o audiovisual. Quando comecei a construir ATLANTIKA essa ideia ficou mais madura e eu tive vontade de chamar realizadores de cinema com quem eu já havia trabalhado ou de quem a obra eu admirava. Meu desejo era que cada uma dessas diretoras/diretores fizesse uma interpretação imagética livre para uma canção do álbum. Foi então que convidei Paula Gaitán, Lírio Ferreira, Batman Zavareze, Louise Botkay, Gustavo Nasr, Mariana Bley, Felipe Nepomuceno, Léo Bittencourt entre outros para que eles trouxessem ideais visuais para o álbum. Além disso, esse projeto é muito coletivo desde sua pedra fundamental quando consegui a verba para a gravação do álbum a partir de uma campanha de financiamento coletivo até sua criação musical feita entre Mario, Chester e eu. Então essa ideia de criar um álbum imagético coletivo fazia parte desse pensamento. A minha alegria foi que as cineastas e os cineastas aceitaram o convite e têm me presenteado com lindos e potentes trabalhos audiovisuais que estou lançando no meu canal do Youtube na medida em que estão ficando prontos.
ATLANTIKA – Carolina Sá from Doralice Filmes on Vimeo.
Como surgiu o convite para dirigir um dos episódios da série documental da Netflix, Meu Amor- 6 histórias de Amor Verdadeiro?
Um dos produtores executivos da série entrou em contato comigo e me fez o convite (José Padilha). Ele conhecia o meu longa-metragem Construção (lançado no cinema, com produção associada do Walter Salles e Patricia Pillar) e minha série documental Música Libre. A série da Netflix é uma coprodução entre Brasil, EUA e Coreia e foi rodada em 6 países entre eles o Brasil, cujo episódio eu dirigi.
Conte-nos o que este projeto foi para você.
Posso dizer que foi um dos projetos mais bonitos e potentes que fiz na vida. Como documentarista poder passar um ano registrando a família que escolhi filmar, com uma equipe que tive a liberdade e apoio para montar, foi realmente incrível. Porém mais importante que isso foi ter conhecido Nicinha e Jurema e a família que construíram juntas. Quando fui convidada para fazer um dos filmes de amor para a série que seria rodada em 6 países, eu quis muito achar um casal que além de ter uma bela e duradoura história de amor (afinal esse era a premissa da série My Love -Seis Histórias de Amor Verdadeiro) também representasse outras formas de resistência no Brasil, principalmente no momento em que estamos vivendo. Queria encontrar um casal de religião de matriz-africana (Umbanda ou Candomblé) e também que vivesse um relacionamento homoafetivo. Foi então que encontramos Nicinha e Jurema, mulheres negras, moradoras da Favela da Rocinha e umbandistas que nos mostram como o amor é uma pulsão motora de resistência e também como a família brasileira se constitui de diversas formas. No processo de filmagem fiquei tão imersa e tocada pela história delas que compus uma canção (Exu com Oxalá) que acabou entrando no início e nos créditos finais do filme. A música é uma catarse de amor e espiritualidade.
Você teve diversos projetos bem sucedidos ao longo de sua carreira. Existe algum em especial que você considere para você mesma o seu maior êxito profissional?
Pergunta difícil pois cada projeto que faço é como um filho. Música Libre é meu primogênito. Essa série sobre a música caribenha foi onde aprendi a dirigir documentário e tudo que isso significa, foi uma formação pra mim e em termos musicais serviu como uma grande pesquisa. Construção é meu filme mais pessoal e também meu primeiro projeto para o cinema. Foi uma travessia para encontrar e conhecer melhor meu pai, o arquiteto, músico e escritor, Marcos de Vasconcellos- com quem quase não convivi- e refletir sobre a construção dos laços afetivos que nos constitui. Onde Nascem As Ideias foi um mergulho no processo de mulheres que considero artistas imensas, uma busca sobre onde e como nascem os processos artísticos de mulheres que como eu, vivem desses processos. Meu Amor- 6 histórias de amor verdadeiro, apesar de não ter sido uma ideia minha, foi um filme onde pude colocar minhas reflexões e pensamentos sociais, políticos, cinematográficos e musicais. Já na música, meu primeiro álbum Adundundarandun em parceria com o músico cubano René Ferrer (que foi meu marido e é pai dos meus filhos) foi um belo processo de aprendizado sobre a criação de um álbum e a minha estreia na música como obra a ser mostrada. Agora, em ATLANTIKA estou no meu mergulho mais profundo na música e no ato de construir um álbum. Uma maturação de tudo o que tenho feito em termos de criação. Uma jornada onde cada passo, eu aprendo e me fortaleço. Sou grata por todos esses filhos.
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