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Danilo Caymmi entrevista Danilo Miranda, diretor do SESC-SP

Danilo Caymmi, diretor da Associação, conversou com o sociólogo e diretor do SESC-SP sobre a cultura brasileira e sua valorização

 

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Danilo Santos Miranda é filósofo, sociólogo e Diretor do Departamento Regional do SESC-SP (Serviço Social do Comércio). Ele se consolidou como um dos grandes pensadores de cultura do Brasil, e, hoje, é o responsável pela administração de uma equipe com 6 mil pessoas em 31 unidades do SESC em São Paulo.

Em agosto de 2015, a ABRAMUS, representada pelo seu diretor, o músico, compositor e arranjador, Danilo Caymmi, entrevistou o sociólogo sobre a cultura brasileira, sua valorização e caminhos para seu acesso universal.

Agora você confere a primeira parte dessa entrevista, em que Danilo Miranda discorre sobre a miscigenação brasileira, sua influência na cultura e a importância de sua integração com a educação formal. Confira:

Danilo Caymmi: Para começar, gostaria que o senhor fizesse um breve resumo sobre a história da nossa cultura.

Danilo Miranda: Durante séculos, a mão de obra barata dos negros escravos viveu na perspectiva de não ter acesso a nada que não fosse alimentação e sobrevivência, não é? Já outros vieram com alguns acessos mais garantidos. As imigrações entre os séculos XIX e XX com os italianos, espanhóis e japoneses vieram em condições melhores e ajudaram a gerar, junto com os negros, um caldo de cultura maior, muito forte, raro, especial e diferente. Mas, de um lado temos essa riqueza cultural enorme e, do outro lado da moeda, temos as questões de acesso, de colocar toda essa riqueza à disposição da população.

Danilo Caymmi: Há solução?

Danilo Miranda: Há solução. A solução tem a ver primeiro com acesso. Para mim, a cultura tem o poder de mostrar ao indivíduo todas as possibilidades que a vida oferece, muito mais amplo que simplesmente a questão da arte.

A cultura é a língua, é o alimento, o vestuário, a transformação da vida, a convivência, o dia a dia. A cultura é até a educação regular, o acesso à informação, a educação, tudo isso faz parte desse grande complexo que chamo de cultura. Claro que as administrações públicas dividem essas áreas por estratégia administrativa, assim, alguns cuidam da justiça, outros da segurança, alimentação; outros cuidam da chamada cultura e é dessa forma que ela fica restrita ao campo das artes.
O acesso à construção do imaginário, é, para mim, o caráter simbólico da cultura, o lugar onde você tem condição de usufruir da beleza e riqueza das artes, e de seus aspectos mais populares e tradicionais. Como aquele morador do interior, que no feriado do Domingo de Ramos, ou qualquer outro, se transforma num personagem do Maracatu. Nesse momento ele tem uma participação cidadã, ele é um personagem de uma história, de um imaginário criado, e aquilo traz identidade, cidadania e respeito a ele.

Todas essas formas de arte precisam de um apoio, um suporte, uma possibilidade que é oferecida pela sociedade, representada pelo Estado.

O problema não é a falta de recurso, o problema é a falta de centralidade da questão cultural. O dia em que a cultura – essa cultura que eu digo de dar acesso à cidadania, ao desenvolvimento do dia a dia da pessoa – tiver possibilidade de chegar a todos, você muda o país. Você não muda só a cultura, só o acesso à música, o teatro, a dança ou as artes visuais, o que seja, você muda o país inteiro.

Na medida em que você permite que as pessoas, de um modo geral, tenham condições de conhecer, acessar, desenvolver e melhorar suas vidas, elas se tornam cidadãos mais capazes de tudo.

Danilo Caymmi: Qual o papel da educação dentro desse cenário grandioso que o senhor expôs?

Danilo Miranda: Para mim, a educação é a grande chave do processo todo. Além de ensinar disciplinas como ciência, matemática, história, geografia, a ler e escrever, é preciso repassar os conceitos de convivência e respeito, valores absolutamente fundamentais para que você possa entender o mundo a sua volta.

O escritor e poeta, Mário de Andrade, criou em meados dos anos 30 o primeiro Departamento de Cultura de uma prefeitura do Brasil, em São Paulo, um embrião da Secretaria de Cultura, que era, por sua vez, o início do que veio ser mais tarde o Ministério de Educação e Cultura (MEC). Dessa forma, educação e cultura ficavam integradas e contavam com o orçamento de 25% dos impostos arrecadados. Ou seja, tinha uma garantia constitucional para educação e cultura.

Foi assim até alguns anos após a Ditadura Militar, em que foram separados entre Ministério da Cultura (MinC) e Ministério da Educação, conhecido até hoje como MEC. Atualmente, a verba repassada para a Cultura não chega a 2% do PIB (Produto Interno Bruto).

Danilo Caymmi: Em tempos de crise política e econômica, de que forma os investimentos poderiam se manter?

Danilo Miranda: É o seguinte, se a crise é longa, ela acaba afetando tudo, não tem conversa. Atinge até a esmola que se dá na igreja. Então aqui no SESC, pode atingir mais cedo ou mais tarde. Mas a vantagem dessa instituição, criada em 1946, com o objetivo muito claro de ampliar aspectos sociais, culturais, esportivos e criativos, é que temos um amplo conjunto de ações que o SESC pode realizar.

Nesta unidade [a entrevista foi realizada na unidade Belenzinho, localizada na Zona Leste de São Paulo] você vê uma atividade ampla no esporte, exposições, teatro, alimentação… Esse conjunto é garantido com a contribuição compulsória de 1,5% a partir da folha de pagamento do quadro de funcionários da empresa. Além disso, a contribuição está garantida, porque fomos pouco impactados pelo desemprego. Então, se a contribuição for mantida, teremos condições de concretizar esse projeto, que chamamos de “Qualidade de Vida de Bem Estar Social”.

 

Danilo Caymmi: Na sua opinião, o que falta em nossa sociedade, para que a cultura seja mais valorizada?

Danilo Miranda: Falta pensamento, faltam ideias, reflexão. As pessoas simplificam muito. Pode ver, no plano político, por exemplo, todo mundo é contra ou todo mundo é a favor, mas nesse aspecto em particular, tem mil alternativas que têm que ser levadas em conta e cada um de nós têm o pensamento e a reflexão sobre isso. Essa simplificação vale para tudo, e degrada o pensamento nacional, a memória.

E isso reflete no cuidado que temos com os nossos artistas. Onde está o acervo de Orlando Silva, grande nome da música brasileira, de 20 30 anos atrás? Jacó do Bandolim? Acho que não tem nem registro mais. Tem muitos grandes versos da musica popular brasileira que ninguém sabe quem fez. Isso é memória.

Danilo Caymmi: A Lei Rouanet (Lei nº 8.313/91) é muito comentada e a mais conhecida ferramenta de fomentação de projetos culturais. Como você a enxerga?

Danilo Miranda: A Lei Rouanet é uma lei importante e necessária, sucessora de uma lei anterior, chamada Lei Sarney que, como a atual, tinha alguns problemas. Como o Ministério da Cultura não tem a centralidade, a importância, o peso que deveria ter, acaba não conseguindo realizar políticas importantes.

A Lei Rouanet, tem sido mal utilizada. A definição sobre qual projeto será financiado deve vir de uma decisão compartilhada entre a empresa, representantes públicos e representantes das categorias. No entanto, geralmente a empresa é que decide sozinha e acaba levando para o mercado apenas o nome mais conhecido. Então, fora do eixo Rio-SP, tem menos artistas subsidiados, elitizando esse acesso.

Danilo Caymmi: Então temos uma crise de representatividade.

Danilo Miranda: Sim. Para começar, às veze a gente até esquece em quem votou, imagina as categorias profissionais? Se essa decisão [do direcionamento do fundo da Lei Rounet para algum projeto cultural] tem participação de entidades musicais, por exemplo, que entidade é essa? Que música é essa? De qual região vem? Se for do Rio de Janeiro ou São Paulo, já tem o viés do chamado eixo.

Então, algumas normas precisariam ser estabelecidas para que o projeto fosse submetido. Por exemplo, a questão da reciprocidade: A empresa está pondo dinheiro mesmo? Está depositado já? Tem comprovante de depósito? Essa é uma questão. O projeto tem um caráter público? Para usar o dinheiro público, ele tem que ter o interesse público por trás, então, ele vai atingir um grande número de pessoas, para uso de verba pública?

Numa das primeiras vezes que o Cirque de Soleil veio ao Brasil, via Lei Rouanet, o ingresso cobrado era de R$500. Então, você vai usar dinheiro público para financiar um projeto, cujo ingresso vai ser elitizado? Não digo que deva ser gratuito, mas não pode ser 500 reais, como o que nós procuramos fazer com os nossos ingressos, que até hoje tem o valor máximo de R$50, R$60 para quem não tem a carteirinha.

Danilo Caymmi Há soluções para essas distorções?

Danilo Miranda: Eu acho que esse financiamento com recurso público tem que ter reciprocidade.  Nesse caso, o intermediário tem que ser remunerado na proporção da intermediação. Não pode acontecer de pagar uma fortuna para o intermediário, cobrar muito do público e pagar pouco para o artista.

Danilo Caymmi:  Seria um novo Projeto de Lei ou uma reforma da lei existente?

Danilo Miranda: Existe uma proposta de reforma da Lei, mas eu tenho a impressão de que, para que ela funcione, tem que ser algo negociável com todos os setores, inclusive os artistas.

Danilo Caymmi: O MinC procura o Sesc para apoio ou discussões, já que o serviço é visto como um modelo?

Danilo Miranda: Procura. Estamos muito próximos à administração pública e colaboramos muito no nível estadual, municipal e no federal, tanto em discussões, quanto ações. Eu estou no Sesc desde 1968. Sou diretor desde 1984, com um trabalho muito ligado ao que poderia ser chamado de política pública, embora não sejamos administradores públicos.

Danilo Caymmi: E como se dão essas reuniões?

Danilo Miranda: Embora falte recurso para tudo, e para o MinC também, o Ministério tem um problema gravíssimo, falta também centralidade na minha opinião. Eu gostaria que eles fossem chamados para estarem juntos nos momentos decisivos. Cultura não é só arte e memória, cultura tem a ver com valores, com o modo de enxergar a vida. Tem a ver com como você vê o seu entorno.

Danilo Caymmi: O Sesc seria como um microcosmo dessa tentativa?

Danilo Miranda: Sim. Os serviços oferecidos pelo Sesc envolvem saúde, convivência, atividade física, entre outros, aumentando a qualidade de vida; que é essencial para você poder produzir, trabalhar, escrever… Enfim, viver. Em uma análise macroeconômica, o Brasil tem seu desenvolvimento desde os anos 50 e 60, baseado na indústria automobilística. . A velocidade reduzida, a ciclovia, os parklets, todas essas ações têm a ver com a diminuição de carros circulando na cidade. No Sesc, por exemplo, colocamos um aviso: “prefira o transporte público”. Fazemos isso como uma colaboração à cidade e às pessoas que vivem nela, para tornar suas vidas um pouco mais saudável.

Danilo Caymmi: Você acha que há uma crise de pensamento no contexto atual de cultura e educação no Brasil? 

Danilo Miranda: Eu acho que é uma crise de valores, de pensamento e de aprofundamento. Mas eu tenho esperança. Apesar de tudo, antes era pior que hoje. Então, para mim, o que tem na frente será ainda melhor. No meu tempo, tínhamos poucas e ótimas escolas apenas para a elite. Tem gente que usa esse argumento para dizer que “o ensino era melhor”. Hoje, o ensino é pior, mas todos têm acesso. Reduzimos para baixo e temos que melhorar isso. E é mais fácil, pois o acesso à informação atualmente é universal com a internet. E eu acho que tem uma coisa por trás disso, que é a percepção da igualdade entre as pessoas, entre raças, religiões, entendimentos, cor da pele… Ainda não é completa, mas evoluiu muito e essa é a base da democracia.

Danilo Caymmi: Quais as perspectivas do Sesc para este momento de intensas mudanças que estamos vivendo?

Danilo Miranda: O Sesc-SP é um pouco diferente do restante do Brasil porque tais valores são colocados de maneira muito clara, enquanto que, em outras organizações, a percepção de prestação de serviço é mais básica. A unidade nasceu nos anos 40 com a mesma perspectiva dos demais, mas, aos poucos, percebeu-se que a cultura, a educação e a educação por meio da cultura ganhariam uma grande dimensão. Nós fazemos shows com lotações que vão a 10 mil, a 15 mil pessoas, para assistir a artistas como Caetano Veloso, no Sesc Itaquera, por exemplo. Quem faz isso de graça ou por um preço mínimo? Isso também é educativo, na medida em que se oferece qualidade no atendimento, respeito, banheiro limpo… Essa ação educa.

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